30 agosto 2010

A família encantada - Parte 3



Os dois estavam sentados na beira do cais, jogando os pés ao vento e migalhas de pão aos peixes. Enamorados, entreolhavam-se encabulados, ela com o queixo no peito, ora olhando para os próprios pés dançando no ar, ora para ele. Ele, com olhos de vontade, esperava que o tempo o empurrasse à ação. 

O dia enamorando-se da noite, deixou-se ser encoberto pelo seu manto. Os ventos, trazendo aromas campestres, esfumavam as nuvens; as estrelas formigavam no céu, e a noite iluminava-se pelo lume do amado. A lua cheia brilhava mais do que de costume. Era a lua dos enamorados.

Cacau fez a sua mão andar tamborilando os dedos na mureta do cais até encontrar as mãos da Mel. Deu-se o encontro de mãos, olhos, e, finalmente, seus lábios se encontraram.

O Senhor do tempo, com grãos de areia, cobriu-os com o manto do envelhecimento, visto que o amor dos dois pedia pressa. O pó do tempo não acumulou nos vincos adquiridos com os anos, pois eles ainda não os tinham. Contudo, os amadureceu o suficiente para que perdessem suas características de criança. Ele o que tinha de rapaz,  tornando-se homem. Ela o que tinha de moça, tornando-se mulher. Casaram com urgência, e, logo, tiveram um filho.

A bola de capotão, por não ter os cordões untados com gordura animal, estava com alguns gomos descosturados, envelhecida. A bola de gude, devido ao desuso, permanecia jovem, apesar de algumas trincas. A bicicleta fora azeitada com bastante óleo, porém, a poeira acumulada no decorrer dos anos lhe dera uma aparência de abandono precoce.

Dedicados ao trabalho, Cacau e Mel deixaram de proporcionar ao filho, Fauser, o que a eles não lhes faltara: a infância. Já seria imperdoável, se somente isso tivesse feito, porém, fizeram pior. Deixaram de serem pais e delegaram essa função à babá.

Fauser, ainda bebê, ganhou o seu primeiro presente, dado pelos pais. Um televisor LCD. Todavia, o que Cacau e Mel deixaram de notar é que Fauser só tinha olhos para eles. Na sequência, quase initerrupta, vieram o aparelho DVD, juntamente com as mídias DVD de contos de fada. 

O tempo passava, e Fauser pouca oportunidade tinha de passar com seus pais. Sequer os conhecia pela voz. A babá, dedicada, trazia de sua casa os livros com as histórias que lia para a linda criança. Fazia isso por amar toda criança que cuidava. 

Aos sete anos, Fauser ganhou um vídeo game, por fim um computador. A sua vida resumia aos metros quadrados do seu quarto e aos passeios para brincar na pracinha do condomínio fechado em que moravam. Sempre acompanhado de sua babá.

Entristecido pela criação que Cacau e Mel estavam dando ao filho, o Senhor do tempo incumbiu a formiga a missão de recobrar o encanto dessa família.

Continua...

7 comentários:

  1. O retrato, bem desenhado, das famílias destes tempos conturbados...

    Beijo :)

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  2. Humm, e Cacau e Mel vão ver o que é bom pra tosse, isso.
    Bjs.

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  3. Oiê,

    É... A nossa sociedade!
    O pior é saber que muitas vezes uma criança não pode ter uma babá ou uma educação de qualidade, ficando na rua e à mercê de ser adotada por um traficante!
    Abraços :)

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  4. Parece-me que nos dias de hoje a concepção família é bem parecido com as vividas pelos personagens. Ficamos esquecidos de dar uma porçaõsinha de afeto.
    Abraço

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  5. Que bonito amiga, poético. Mas triste tb, essa é a realidade de que muitos não enxergam. Dou graças por poder,embora com certo sacrifício, eu mesma educar o meu filho. Ele tem 4 anos, já tem um computador, mas tem horários para ele, assim como para todo o resto. Espero acertar, sei que nem tudo vou conseguir, se fosse assim tão fácil eu seria uma dádiva. Mas procuro enxergá-lo com todo o meu amor. Beijos!

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  6. Só passei para deixar um abraço. Voltarei, com mais tempo e calma, para retomar o capítulo I e só depois então comentar.

    Grande abraço!

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  7. Essa é a realidade de muitas famílias. As crianças precisam e merecem a atenção sincera dos pais.
    Precisamos educar para Ser e não para Ter!

    Voltarei para continuar a leitura.

    Beijo com meu carinho

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