24 agosto 2010

A família encantada - Parte 1


Toda bola de gude sonha em permanecer na mão de um menino, pois sabe que ao ser jogada no chão deixará rastros a serem perseguidos por ele. Assim, a história de ambos será escrita pelos rastros percorridos. Contudo, nem todas as certezas são compartilhadas por todos, menos ainda quando se tratam das certezas de uma bola de gude.

Quando ouviu o Senhor do tempo dizer-lhe: “Segue o seu destino Cacau...”, a bola de gude sabia que havia chegado a hora em que ele se transformaria em um rapaz. No entanto, assegurava-se que, enquanto nas mãos do rapaz estivesse, sentiria nas suas linhas a essência do menino.

Foi com um sobressalto que a bola de gude notou que escapava da mão esquerda de Cacau, e, naquele instante, teve a certeza de que nunca mais percorreria as linhas de suas mãos. A bola de gude rolou até a bicicleta e disse-lhe:

- Seremos esquecidas. Você enferrujará e eu trincarei, não pelas dobras do tempo, mas pelo esquecimento.

Incrédula, a bicicleta olhou para a bola de gude, depois para os dois. Eles de mãos dadas e olhinhos brilhantes, como a enxergar a vida mais colorida, não os viam.

 - Será? Por que você diz isso?

- Você não percebeu bicicleta. O encanto dele agora é ela.

A bicicleta girou o guidom em direção a eles, depois em direção a bola de gude, a eles novamente e por fim disse:

- Você está é como ciúmes da Mel.

A bola de gude olhou para a bicicleta bufando, depois pondo os olhos na Mel disse:

- Mel só mesmo no nome, mas ela não é nem um pouco doce.

- Não precisa dizer mais nada. Isso não passa de ciúmes e despeito por não ser mais queridinha do Cacau.

A bola de gude virou as costas para a bicicleta entristecida e não olhou mais em direção a Mel e ao Cacau.

O céu não era o mais o mesmo, e mesmo que fosse, as suas cores eram mais intensas; o brilho das estrelas fulgia mais demoradamente; os raios solares irradiavam em uma só direção, trazendo-lhes alegria; a lua, não importa qual fase, estava sempre cheia; o aroma trazido pelos ventos, em quaisquer das estações, era primaveril. 

Cacau e Mel, agora, viam o mundo pelos olhos um do outro. Por mais que o Senhor do tempo o acelerasse, e as mudanças fossem perceptíveis a todos, eles sequer as notavam, uma vez que enxergavam pelos olhos do amor, e a este tudo é atemporal.

Estava lá a mesma árvore, com várias camadas de primaveras, que um dia deitou seus galhos para que um pássaro de plumagem amarela entoasse uma canção dizendo: menino bobo. Agora que se encontrava marcada por dois corações entrelaçados, com os respectivos nomes de Cacau e Mel, a árvore pediu ao vento, entre gracejos, que levasse aos dois, além do aroma primaveril, estas duas palavras: amor bobo.

O vento, sempre gentil com a árvore, atendeu-lhe o pedido, carregando ambas as palavras. Os dois jovens, aos risos, saíram de mãos dadas, abobalhados, tropeçando nos próprios pés, tendo um ao outro como apoio. Para trás ficaram a bicicleta, a bola de gude e a bola de capotão no quintal da casa. Entreolhando-se, as três perceberam que tanto o menino quanto a menina estavam indo embora, prestes a se tornarem homem e mulher.

Continua...

3 comentários:

  1. Oiê,

    Seu conto daria um belissímo filme!
    Quando descobrirem seus talentos, não esqueçam deste amigo, ok?
    ... O amor entre os jovens poderá trazer a felicidade para a bola de gude, a bicicleta e a bola de capotão?...

    ResponderExcluir
  2. É o amor... Começando e moldando os novos corações.

    Bjs.

    ResponderExcluir
  3. Fiquei devendo nesta postagem! Tivemos problemas de saúde na família com meu filho Ivie. Voltaremos logo logo aos comentários.
    Abraço

    ResponderExcluir

Como água e óleo se misturam, derrame aqui suas opiniões também!