09 agosto 2010

O menino encantado - Parte 2




São as coincidências que trazem cores à vida. Pois, no exato momento em que ele soltou a bola de gude, uma formiga passava em direção ao formigueiro. Ao cair, a bola acionou o seu sistema de defesa avisando-a do perigo iminente. Alerta, a formiga parou, procurando saber de onde vinha a bola de gude. 

Ao mesmo tempo, a voz do irmão do rapaz surgiu atrás de uma moita dizendo, rapaz bobo, não está me vendo? A sincronicidade dos eventos não deixou margem de dúvida ao menino que, com os pés infrenes, associados ao medo, partiu em disparada, apavorado.

Repentinamente, a coragem o acometeu tão rápido quanto o medo, pois era necessário retornar para buscar a bola de gude que ele havia esquecido. Tomado dessa súbita valentia, voltou atrás, e, pegando a bola de gude, disse à formiga: eu não sou rapaz, sou um menino.

A formiga lá já não estava, mas, para seu azar, o seu irmão, que havia saído detrás da moita, estava. Rindo desmedidamente, seu irmão repetiu a frase que tanto o apavorara: rapaz bobo, não está me vendo? E, continuando o escárnio, emendou: Você achou que fora a formiga a falar contigo? O deboche crescia, até a gargalhada tomar conta de todos os sentidos do menino.

O menino não pensou duas vezes. A bola de gude foi jogada no chão e substituída por um pedregulho, habilmente lançado em direção ao irmão, que, a essa altura, já havia trocado o riso pelos pés, e saído desembestado, rumo ao horizonte. 

Mesmo longe, foi claro o barulho do pedregulho batendo no calcanhar do irmão. Podia sentir o sangue escorrer e viu o seu corpo desabar no chão. Pronto. Naquele instante o menino percebeu que havia acabado com qualquer chance de ganhar a tão desejada bicicleta de Natal. Aquela que ele havia pedido em sua cartinha ao papai Noel, dois meses antes.

De nada lhe adiantou mergulhar o mais fundo que pode e arrancar a melhor argila no barranco do rio para o feitio dos bonecos do presépio. De pouco lhe adiantou modelar o menino Jesus – esta era a sua tarefa em todos os natais - pois pior ficou. Nervoso, o menino Jesus saiu imperfeito, uma perna maior do que a outra, os braços tortos e a cabeça maior do que o corpo. 

Em nenhum momento passou por sua cabeça desculpar-se com seu irmão. Ora, ele havia lhe pregado uma peça, por que motivo deveria se desculpar com ele? Ele não entendeu que deveria pedir perdão ao irmão devido à maldade praticada, e que os atos bondosos, por si só, não fariam com que reconquistasse a bicicleta, pois atos bons são a conduta esperada de toda criança.

Frustrado, ele passou pela sala sem reparar na árvore de Natal montada, pela cozinha despercebido da mãe, que estava temperando o pernil ao mesmo tempo em que fritava a rabanada para o dia seguinte, do jeito que seu pai preferia. O clima da casa era de Natal, o dele de velório.

A alegria, realmente, somente toma conta da casa quando as crianças avançam embaixo da árvore para retirarem os seus respectivos presentes deixados por papai Noel. Para os pais não há satisfação maior do que ouvir o barulho de papel rasgando e a amplificação da alegria no riso das crianças.

Por isso, foi com imensa euforia que seus pais esperaram o dia de Natal. E este, finalmente, chegou. Foi o menino até a árvore carregando uma tristeza desmedida, chutando o ar por saber que a bicicleta não estaria lá. Olhou o relógio e ouviu as engrenagens que movimentam os ponteiros moverem-se lentamente, aumentando a distância que os segundos levam para passarem, e com isso, sua dor tomava dimensões imensuráveis.

Ele foi o último a chegar à árvore, e o seu pacote redondo dava a impressão de que o seu presente seria uma bola. Contudo era mais do que isso, era “a bola” de capotão que pertenceu ao seu avô. Fosse a data outra, ele ficaria eufórico; no entanto, era Natal. 

E, no Natal, o presente a se receber precisava ser o que fora pedido no bilhete colocado na meia, endereçada a papai Noel. E ele sabia que papai Noel lera: “uma bicicleta azul com aros amarelos e selim grafitado de girassóis”. Era o seu presente de Natal. Nenhum outro.

Continua...

5 comentários:

  1. Olá, boa noite. Obrigada pela visita e pelo gentil comentário. Interessante essa junção de água e óleo e parece que daí surgiu um conto continuado bem interessante.
    Engraçado a assinatura por pseudômino. Será que os conheço? Fiquei curiosa.
    Um abraço

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  2. Oie, tb estou seguindo vc, adorei sua visita, obrigada!
    Bjsssssssss
    Gena

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  3. Que texto lindo e carinhoso.
    O amor sempre impera e a escolha do Natal como cenário de maior importância deu um toque de oração e fraternidade ao texto.
    Estão de parabéns e merecem um grande beijo e estalado, rsrsrsrsrs!

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  4. Olá, vim retribuir e agradecer sua visita, espero que esteja sempre presente em meu blog, belo texto, belo presente.... beijos em seu coração


    Rosana

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  5. Óleo, obrigada pelo convite para acompanhar o sonho. Com certeza estarei aqui os acompanhando. Boas aventuras.
    Um abraço aos dois

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Como água e óleo se misturam, derrame aqui suas opiniões também!