08 setembro 2010

A família encantada - Parte 5

(ilustração de Gabriel Machado - veja aqui)

Mas essa noite não era como as outras. Após poucos minutos de sono, um barulho diferente fez com que Fauser acordasse. Ainda esfregando seus pequenos olhinhos com sono, foi à janela, e, arregalando os seus olhos de jabuticaba além da grade de proteção, não acreditou no que estava vendo.

Uma formiga levantava a porta da garagem!

A formiga, amiga de infância de Cacau, estava atarefada. O Senhor do tempo havia a encarregado de buscar uma solução para  vida sem amor que Cacau e Mel estavam levando. Mas, para isso, era preciso que forças fossem unidas. A formiga precisava encontrar os três objetos inanimados que mais amavam àqueles dois cabeças-duras! E, na garagem da casa,  achou a bola de capotão descosturada numa caixa de sapato, a bola de gude como olhos de uma das bonecas de Mel e a bicicleta entre os ferros velhos.

- Que desperdício! Mas, não há tempo para lamentações! O portal não abre muitas vezes e ainda há muito o que fazer! O que vocês estão precisando é de água para encantarem. E, conforme ia dizendo essas palavras, as três receberam os esguichos de água vindos da mangueira do jardim.

O encanto começava a fazer efeito. Sacudindo-se tal qual cachorro, a bicicleta reviveu; a bola de capotão, apesar de descosturada, espirrou dando sinal de vida; e a bola de gude saltou do olho da boneca e saiu rolando pela grama molhada, deixando um rastro de alegria.

 As três disseram em uníssono:

- Você voltou!!!

- Sim, sim, mas não temos tempo, aliás, temos o tempo que o Senhor do tempo nos concedeu. E é pouco, muito pouco, mas pode operar milagres na vida dessa família. E pensar que Cacau e Mel eram tão atenciosos com vocês! Tsc, tsc, tsc... Tínhamos certeza de que seriam bons pais. Agora vocês me respondam, onde foi que eles erraram e entraram nesse caminho sem vida, sem alma?

A bola de gude, desde sempre a mais falante, e de longe a mais pessimista, fez um relato breve, sempre é claro, do seu ponto de vista:

- Mas ora essa, dona formiga, eu disse que os dois iriam nos esquecer. Essas coisas de homem e mulher atrapalham muito o discernimento das pessoas. Pois se acreditam, com toda a força, que para ser grande é preciso esquecer-se de quando era pequeno! E eu agora é que lhes pergunto: como eles podem criar uma criança se perderam sua essência?

A bicicleta, sempre suave e gentil, tão magoada que estava, resolveu participar também da conferência:

- Veja só, dona formiga, se é possível tal estapafúrdio: Eu aqui, linda, girassóis grafitados e azul da cor do céu, e eles comprando coisas que precisam ficar presas na parede! Fauser NUNCA nos viu! Acho mesmo que (agora ela está sussurando, pois detesta fazer fofoca) jamais andou num selim de bicicleta!

A indignação foi geral. Um festival de "assim não dá", "isso precisa acabar", foi ouvido, até que, numa surpresa danada, a bola de capotão pede a palavra:

- Eu fui presenteado a Cacau no mesmo dia em que ele conheceu a Mel. Pude ver em seus olhos o amor brotando. E o amor é o gesto sublime que eleva os seres humanos. A vida, no entanto, os engoliu. Na máquina que, hoje, gira o mundo, não há mais tempo para ser feliz - a menos que esse artigo esteja à venda em uma prateleira, perto dos aparelhos eletrônicos.

E, esses subterfúgios escondem a triste realidade desse casal que, outrora, era criança: eles desaprenderam a amar. Esqueceram-se que é o sentimento mais completo, e no entanto o mais simples de se dividir.

Na ânsia de tudo prover ao menino Fauser, deixaram de, em primeiro lugar, oferecer-lhe, sem limite ou racionamento, o presente que todos mais anseiam: o AMOR.

E, prezados amigos, posso lhes garantir. Amor há - cabe a nós ajudá-los a encontrar.

- E o que vocês estão ainda fazendo aí? Um Fauser, de pijamas e descabelado, com os olhos arregalados, ouve o final do, muito bem elaborado, discurso da bola de capotão.

Vamos, precisamos encontrar o AMOR. Por mim...

Continua...

10 comentários:

  1. Nosso passado, nossas origem não podem jamais serem esquecidos. Quando isso acontece ficamos sem nanda, absolutamente na para lembrar.

    Bjs.

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  2. A história está a ser muito bem conduzida. Para além de encantar, é convincente.
    Parabéns!

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  3. Aqui mais do que uma história sinto sentimentos nobres que muitas famílias esqueceram de praticar e ensinar aos seus. Bravos. Parabéns aos dois escritores.

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  4. Estando de volta pós um período de convalescença, a história está encaminhando no seu rumo certo, todos nós, família, temos que encaminhar bem nossos tutores ou pupilos.
    Obrigado por estar sempre conosco.
    Abraço

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  5. Vejo que a história continua e que o sentimento mais precioso que uma família pode cultivar, o Amor, anda esquecido pelo menos nesta. Que bom que o pequeno receberá ajuda.
    A família é o pilar mais importante de toda a nossa estrutura.
    Um abraço

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  6. Posso lhe pedir uma ajuda? Tenho percebido em quase todos os blogs pelos quais tenho passado que fotos são associadas aos textos. Isso acontece por algum motivo, ou apenas caracteriza melhor o escrito?
    Me desculpe, mas esse espaço para mim é novo.
    Um abraço

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  7. Oiê,

    Quando este conto acabar, e pelo rumo que vem tomando, deve ser publicado em forma (quem sabe) de revistas para serem lidas em reuniões de reflexão com familias!

    Abraços :)

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  8. Olá,
    Adorei suas histórias! O diálogo dos personagens é muito legal e cativante!
    Tenha um ótimo fim de semana,
    Abração,
    Flávio Nunes.

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  9. Como se para sermos "grandes" precisassemos esquecer de que fomos pequenos... talves seja isso, guardarmos um pouquinho da delicadeza das crianças em qualquer cantinho de nós. Beijinhos carinhosos para você.

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  10. As coisas andam complicadas, tanto que estamos deixando de "ser" para "ter". O amor é fundamental na vida de qualquer ser...
    A história quando finalizada, merece ser lançada em um livro para que possa tocar o coração de mais pessoas.

    Beijos

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