18 outubro 2010

A Família Encantada - FINAL

("A Família" - Tarsila do Amaral)

- Oi Vó! O que você está fazendo?

- Oi meu neto! Preparando seu café, ora essa! E rindo, aquela risada gostosa que sempre fora a marca registrada de Mel, continuou a prepará-lo. Vitor, seu avô está lhe preparando uma surpresa, vá lá fora para recebê-la. Vovó já vai logo atrás.

Vitor saiu da casa em direção à garagem, e encontrou um envelhecido Cacau com linha e agulha nas mãos, pelejando com uma antiga bola de capotão.

- Vô! É para mim? Correndo, pulou no colo de Cacau que rapidamente pousou a agulha longe e agradeceu a falta de sono que o fez começar a empreitada muito mais cedo naquele dia. 

- É sim, Vitor! Você gosta de futebol?

- Amo, Vô! Quando eu crescer vou querer ser zagueiro!

- Ah, mas um zagueiro não nasce pronto, precisa de treino. E eu vou lhe contar um segredo: está vendo essa bola aqui? Ela é mágica. Não ria, não estou brincando, não. Existe uma formiga, mas não uma formiga qualquer, uma formiga encantada, que é guardiã de um portal mágico. Essa formiga chama-se Baba, e, se o Senhor do tempo percebe que algo precisa ser concertado, ele envia sua fiel embaixatriz para que, através dessa bola, leve quem dele precisa de ajuda até a sua presença.

Essa bola foi do seu bisavô, que por sua vez a ganhou de seu tataravô.

Olhos arregalados, Vítor encantou-se com a história de bichos, portais e magia que o avô lhe contava.

- E é minha agora, Vô?

- Só se eu puder treinar junto - para garantir que se Baba voltar, terei chance de lhe dar um abraço e agradecer por tudo que ela fez em minha vida...

- Oi pai, oi mãe! Fauser chega com sua esposa, Carolina. O café está pronto, mãe?

- Quase pronto meu amor! Oi Carol! Usou aquele vestido lindo que compramos juntas ontem à noite?

As duas mulheres entram para a cozinha, finalizando os preparativos da mesa lindamente composta para uma refeição considerada banal. Mas, naquele família, nenhum tempo passado juntos era banal.

Fauser reconhece a bola de capotão que Vítor segura em suas mãos, e, com o coração apertado, procura nos olhos do pai a confirmação do que acontecia. Em um sorriso, Cacau entrega ao filho que a mágica estava finalmente passando de mãos.

- Vô, chuta a bola para mim?

- Claro, Vítor. Mel, oh Mel você não disse que havia guardado algo, também, para dar ao Fauser?

Mel e Carol saem da casa, sorrisos, mãos carinhosas. Duas mães em sua plenitude!

Posicionada ao lado de seu grande amor da vida toda, antes de Cacau acertar o chute na bola, Mel sussurra-lhe em seu ouvido: "Menino bobo".

Cacau a olha com a ternura daqueles que muito cedo encontraram o amor de sua vida. Segura-lhe a mão, como fizera na margem do rio a primeira vez que se beijaram.

Mira na bola e acerta o chute. Mas não foi isso que surpreendeu Fauser. No momento que virou-se para exaltar a boa pontaria do pai, que ele teve a honra de poder comprovar nos muitos anos que se sucederam àquela noite encantada com Baba, viu não o senhor a quem tanto amava, mas sim um menino, de não mais de dez anos.

Ao seu lado, uma menina linda, de mãos dadas com ele, anda em direção a Fauser, e lhe rola uma bola de gude toda trincada, mas que, ao chegar em suas mãos, está redonda, polida, como nova.

Saem caminhando, lado a lado, dois jovens, enamorados, com a vida toda pela frente. A observá-los, Baba e o Senhor do tempo. Em sua forma de formiga, agarrada ao manto do Senhor do tempo, Baba pergunta o motivo de remoçá-los.

- Amor igual ao deles tem que ser revivido sempre.

- Mas eles erraram ao abandonar o filho, não se lembra? Se não fossemos nós, a história seria contada tão diferente...

- Formiga, entenda uma coisa, o acerto não advém de pensarmos que estamos acertando, mas se tivermos a humildade de reconhecer que o erro nos proporciona o aprendizado, então, estaremos no caminho certo.

Olhando para trás a formiga piscou o olho esquerdo. Cacau e Mel responderam rindo, certos de que viverão felizes para sempre.


FIM.

08 outubro 2010

A família encantada - Parte 8

(Que vocês apreciem, com alegria, o feriado! Desculpem a demora, mas Óleo e eu estávamos muito enrolados!)







- Meu filho, você estava lá com esses brinquedos? Docemente perguntou-lhe Cacau.

- Foi estranho, meu pai. Eles ganharam vida, falavam entre si. E, depois veio um homem que disse ter lhe conhecido há muito tempo, quando você era criança. E Baba, ela era uma formiga, mas se transformou em gente BEM NA FRENTE DOS MEUS OLHOS.

Nada mais faltava ser dito. Ali, debaixo dos olhos de Cacau e Mel, sua história recontada, através das mãos, sedenta de carinho, de seu filho. Beijaram-lhe a fronte. Deisseram-lhe, descanse, meu filho, e foram com ele até o quarto.

Baba a tudo observou, com o sorriso de canto e os olhos rasos de água que lhe eram tão familiares. Cacau deteve-se no corredor em direção aos quartos. Deu meia volta, dirigiu-se à Baba assim:

- Minha amiga formiga, e eu nem por um segundo desconfiei que era você quem o sono e a vida de nosso filho velava! Obrigado, muito obrigado! Diga ao Senhor do tempo que entendemos a mensagem. Não tornará a se repetir, isso eu prometo. Palavra de menino. Dizendo isso, piscou seu olho direito, o mesmo olhar de jaboticaba gigante que Fauser havia herdado de seu pai.

- Meu trabalho se encerra aqui então, rapaz. Voltando à sua forma de formiga, despediu-se do amigo, mas, antes de partir, ainda teve tempo de acrescentar:

- Lembra-se que eram três, e não somente dois, os objetos de sua infância? Seu filho carrega consigo algo de muito precioso, algo que você, ao longo do tempo, esqueceu-se de amar...

Encontrou Fauser adormecido em sua cama. Podia ver o sorriso em seus lábios, ainda tão pequeninos. Ao ajoelhar-se ao lado do filho amado para beijar-lhe a face, como nunca havia tido tempo para fazer, percebeu algo esverdeado na mão esquerda do menino. Esticou sua mão para alcançá-lo, e, seu coração sobressaltou-se quando viu que era sua bola de gude, aquela que havia dado à Mel em honra de seu amor...

O Senhor do tempo, satisfeito com o que viu, esticou seu manto do tempo e provocou a sua passagem. Nem muito rápido, nem muito devagar. No ritmo certo para que muitos aniversários fossem celebrados, muitas conquistas fossem alcançadas, alguns fracassos fossem superados. A tudo o Senhor do tempo tratou com igual cuidado.

Mas agora já não era Fauser a levantar-se da cama, acordado por um barulho diferente vindo do lado de fora da casa. Era Vitor, o neto de Mel e Cacau, que dormira na casa dos avós para que seus pais pudessem sair. Vitor sentia-se o menino mais amado do mundo, pois seus pais e seus avós desdobravam-se em cuidados com ele. TInha apenas 7 anos, mas a certeza de que era o menino mais amado do mundo.

(continua...)